terça-feira, 3 de junho de 2008

Participação

por Herbert de Souza (Betinho).
Participação é um dos cinco princípios da democracia. Sem ela, não é possível transformar em realidade, em parte da história humana, nenhum dos outros princípios: igualdade, liberdade, diversidade e solidariedade. Falamos aqui de participação em todos os níveis, sem exclusão prévia de nenhum grupo social, sem limitações que restrinjam o direito e o dever de cada pessoa tomar parte e se responsabilizar pelo que acontece no planeta. Em resumo, cada um de nós é responsável pelo que acontece nas questões locais, nacionais e internacionais. Somos cidadãos do mundo e, portanto, co-responsáveis por tudo o que ocorre. A única forma de transformar este direito em realidade é através da participação.
Nesse sentido, a participação não pode ser uma possibilidade aberta apenas a alguns privilegiados. Ela deve ser uma oportunidade efetiva, acessível a todas as pessoas. Além disto, é preciso que ela assuma formas diversas: participação na vida da família, da rua, do bairro, da cidade, do País. Também da empresa, da escola e da universidade. Das associações civis, culturais, políticas e econômicas. Participação é, ainda, um direito que não pode ser restrito por critérios de gênero, idade, cor, credo ou condição social. É universal.
A participação pode assumir a forma de uma simples ação pessoal. Ou pode organizar e motivar a formação de grupos e instituições. Todas são válidas e ocorrem na vida real.
Só com ampla participação podemos lutar pelos princípios da democracia, neutralizando as formas de autoritarismo freqüentes em nossa sociedade. É através dela que se acaba com a desordem de um status quo injusto, que produz a marginalização. E é também através dela que superamos a resignação e o medo. Só assim são geradas as condições para o exercício pleno da liberdade e da cidadania, só possíveis em uma sociedade democrática.
As sociedades autoritárias fazem tudo para limitar, restringir e desestimular a participação. Samuel Huntington, um ideólogo conservador americano, dizia que o excesso de participação era um dos maiores perigos para a democracia. Para ele, quanto maior a participação da cidadania, maiores os riscos para a estabilidade democrática. Mas a verdade é que somente através da participação é possível construir e consolidar a democracia.
Na cultura brasileira, a participação é percebida de forma limitada e limitante: "seja um bom pai de família e o resto virá por acréscimo"; "seja um bom trabalhador que os outros cuidarão de sua vida"; "seja um cidadão que vota a cada quatro ou cinco anos e o Estado fará o resto"; "não participe de tudo nem busque ampliar seus compromissos; isso só lhe trará dor de cabeça!". No fundo, a mensagem conformista e excludente é essa: cuide de sua vida e esqueça-se do resto!
A resignação e o medo da participação são resultados da cultura autoritária, que perpassa nossa história e instalou-se na nossa cultura e, portanto, nos nossos próprios hábitos. Participar, em vez de ser regra geral, tornou-se uma exceção. Temos, então, o cidadão limitado, fechado, sem iniciativa, dependente.
Mas, nos últimos anos, uma outra cultura vem surgindo, em oposição à pressão exercida pela cultura autoritária: é a cultura democrática, a cultura da participação. Tivemos movimentos amplos de participação da cidadania que ajudaram a mudar muito a cara do Brasil. Nas últimas décadas, esse movimento minou as bases políticas da ditadura, que foi derrubada pacificamente, através de mobilizações como o Movimento pela Anistia e Diretas Já. Em 1979, um amplo movimento culminou com a decretação da anistia e a volta de milhares de pessoas exiladas em vários países do mundo; e, em 1984, outro grande movimento tomou conta do País exigindo a volta das eleições diretas que haviam sido banidas pela ditadura militar em 1964.
A cidadania também ampliou-se, com a participação da sociedade na elaboração da Constituição de 1988; pela primeira vez em nossa história a sociedade participou ativamente da elaboração da nova Constituição através de seminários, debates públicos, propostas de emendas populares que colheram milhões de assinaturas por todo o País. Em reação ao governo Collor de Mello (1990-1992), de novo a sociedade se mobilizou através do Movimento Pela Ética na Política, que culminou no processo de impeachment do presidente. Em 1992, em reação à corrupção estabelecida no processo de elaboração do Orçamento, foi instalada uma Comissão Parlamentar de Inquérito que apurou vários escândalos e, pela primeira vez, também revelou a importância fundamental da discussão do orçamento para o processo democrático.
Desde 1993 até agora, se desenvolve um outro grande movimento: a Ação da Cidadania Contra a Fome, a Miséria e Pela Vida, colocando na ordem do dia e em nível nacional, a luta contra a miséria através de três grandes temas - a fome, o trabalho e a terra - e mobilizando milhões de pessoas. Movimento similar se articulou também no Viva Rio, que expressa uma frente ampla de parcerias entre empresários, mídia, ONGs, líderes sindicais e populares em torno dos grandes problemas da cidade do Rio de Janeiro.
É importante destacar que muitos outros movimentos vêm se desenvolvendo no Brasil, em diferentes níveis e momentos de nossa vida política e cultural. É através dessa participação que está surgindo uma nova juventude, um novo cidadão e novas condições para que o Brasil possa superar a miséria e a exclusão e chegar à condição de uma sociedade democrática.
A participação é o caminho da democracia, e quanto mais ampla e profunda, melhor.

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