terça-feira, 30 de setembro de 2008

Movimentos sociais de luto

A utilização de agrotóxicos por agricultores no Interior do Estado reflete um antigo modelo de manejo do solo.
Os movimentos sociais do Vale do Jaguaribe estão de luto.
Faleceu no último fim de semana o ex-agricultor José Valderi Rodrigues, considerado o símbolo na luta contra a utilização indiscriminada de agrotóxico no Estado.
Conforme denunciado há seis meses pelo Diário do Nordeste, havia mais de três anos que o agricultor, supostamente contaminado pelos venenos de agrotóxicos da empresa onde trabalhava, tinha perdido uma das pernas e intensificava o estado de deterioração de seu corpo. Segundo a denúncia acompanhada pelo Ministério Público do Trabalho, a empresa agrícola na Chapada do Apodi, em Limoeiro do Norte, não havia fornecido Equipamento de Proteção Individual (EPI).
Valderi faleceu sem saber de uma solução judicial para o seu problema trabalhista. Em 2005, com menos de um mês de trabalho em uma fazenda produtora de banana para exportação, o agricultor, vestido de camisa, bermuda e chinelas, trabalhava no setor de aplicação de agrotóxicos. Na terceira semana, um ferimento apareceu no seu pé.
Conforme seu relato e suposição dos laudos médicos (nunca conclusivos), ele teria sofrido uma infecção no pé causada por uma bactéria contida nos coquetéis de veneno. Em um intervalo de poucos meses foram seis cirurgias – cinco para extrair cada dedo do pé, e a última para retirar metade da perna direita. A alegativa da empresa de que o agricultor sofria de diabetes e havia sido acometido por algum “simples” ferimento não-relacionado ao veneno caiu por terra com exame, no início deste ano, comprovando negatividade para essa doença.
“Eu não recebi meus diretos, até minha carteira não foi dado baixa”, alegou José Valderi, na última visita da reportagem, em abriu deste ano, para reportagem especial do Caderno Regional sobre o uso indiscriminado de agrotóxicos, em 29 de abril de 2008.
Após tomar conhecimento do caso pela matéria, o Ministério Público do Trabalho no Ceará decidiu acompanhar individualmente o caso de Valderi – geralmente são acompanhados casos trabalhistas coletivos. Com carteira de trabalho na mão e vários laudos e receitas médicas atestando o seu problema de saúde, Valderi concedeu ao jornal a última foto em vida.
Negligência dos poderes
Para Maria Pastora, da Cáritas Diocesana em Limoeiro do Norte, “a morte de Valderi representa a negligência do poder público, desde os órgãos de saúde, que não deram a devida importância, de investigar o caso da doença dele, à negligencia da Justiça, pelo tempo que passou com a carteira retida na empresa. Ele é uma vítima do agrotóxico, e para que isso seja provado é necessário que verifiquem os exames”, concluiu. A preocupação dos militantes sociais nos imbróglios agrícolas é que o laudo do óbito de Valderi não esclareça a real “causa mortis”.
A assessoria jurídica do Movimento dos Sem-Terra (MST) acompanhava de perto o caso do agricultor morto no último fim de semana. “Ele falece, mas o símbolo existe. A gente via o sofrimento dele como uma forma de mostrar que a luta de denúncia de tudo o que ocorre com trabalhadores relacionado a agrotóxicos é urgente e necessária”, afirmou o advogado Francisco Cláudio.
A médica e professora do Departamento de Saúde Comunitária da Universidade Federal do Ceará (UFC), Raquel Rigotto, disse lamentar profundamente a perda de Valderi Rodrigues. Rigotto, com sua equipe de pesquisadores, desenvolve há mais de um ano pesquisa no acompanhamento do impacto dos agrotóxicos na saúde do trabalhador e dos consumidores de frutas no Ceará, com ênfase na Chapada do Apodi, em Limoeiro do Norte. O trabalho é patrocinado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). “Tô vendo a hora morrer e não ver meus direitos”, afirmou Valderi, que deixa a esposa Maria da Conceição Gomes e dois enteados.
Agroecologia
A utilização indiscriminada de agrotóxicos por agricultores nos municípios do Interior do Estado ainda reflete um antigo modelo de manejo do solo, onde são consideradas as condições ambientais de cultivo dos recursos naturais. No entanto, é crescente na zona rural, experiências consideradas como ambientalmente corretas. A agroecologia é um desses exemplos, onde cultiva-se sem a utilização do adubo químico, mas de insumos naturais, feitos a partir de plantas, não ofensivos aos solos, à fauna, flora, água e aos trabalhadores rurais.
Relatório aponta problemas agrícolas
Em 2006, um relatório da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária apontou vários problemas de produtores agrícolas na aplicação de agrotóxicos, com casos letais à saúde. Conforme o relatório, 79% dos irrigantes declararam a utilização dos agrotóxicos. Destes, apenas 10% afirmaram ter e seguir o receituário agronômico. Apenas 3% faziam a calibração do pulverizador; 7% utilizavam Equipamentos de Proteção Individual (EPI) completo; 20% aplicavam em horário inadequado; 96% não conheciam a tríplice lavagem. Análise dos dados do Instituto de Combate ao Câncer (ICC) referentes ao período de 2000 e 2006 apontam que ser agricultor confere maior risco de ter câncer, com destaque para as localizações no mieloma múltiplo, na bexiga urinária, nos testículos, no pênis e a leucemia (sangue).
Fonte: Diário do Nordeste - Reportagem: Melquíades Júnior
*Imagem: Fac-smile do Caderno Regional, do dia 29 de abril de 2008.
Mais informações:
Cáritas Diocesana em Limoeiro do Norte, (88)3423.3222
Universidade Federal do Ceará (UFC)
Raquel Rigotto, (85) 3366.8044

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