terça-feira, 7 de setembro de 2010

"Riqueza sim, mas para alguns...”

Os projetos econômicos são feitos medindo territorialidade, estimando produtividade e perspectivas de emprego e rendimentos. Mas a execução tardia de Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e, principalmente, a ausência de um levantamento de impacto sociocultural, de natureza antropológica, tem entravado o ritmo normal de projetos desenvolvimentistas que ocupam diversos territórios.
O resultado: subestimando a integração cultural e social das comunidades, órgãos do Governo e empresas privadas brigam até na Justiça para a realização de obras que, garantem, irá gerar riqueza e desenvolvimento para os próprios moradores das localidades.
"Riqueza sim, mas para alguns e eu não tô nesse meio não", retruca o agricultor Erasto Mendes, da Chapada do Apodi, que explica porque diz isso: precisou sair da área onde morava e plantava milho e feijão porque o Perímetro Irrigado Jaguaribe-Apodi seria instalado. Água irrigada para o plantio, mas não o dele, analfabeto e "desinformado das tecnologias", mas de quem adquirisse lotes de terras.
Hoje, a concentração dessas áreas irrigadas supera 70% na mão de médios e grandes produtores. A vila de Erasto não existe mais, e ele mora com a família na comunidade Cabeça Preta, onde os homens são funcionários das grandes empresas e muitas famílias vivem do bolsa-família. Prostituição, drogas e criminalidade são problemas "de cidade grande" que, hoje, a comunidade enfrenta.
Um dos relevos mais antigos do Nordeste – datado da Era Cenozóica – a Chapada do Apodi ocupa a zona leste do município de Limoeiro do Norte. Seu maior destaque tem sido na produção agropecuária, sendo considerada a região mais fruticultora do Ceará. (Foto: Alex C. Monteiro)
Efeito contrário
Para a geógrafa Bernadete Freitas, as "políticas desenvolvimentistas" do Estado têm deixado marcas profundas nos territórios cearenses.
"Nos lugares cujas obras foram instaladas é expressiva a desterritorialização do povo, a perda do território, enquanto reprodução social e lugar onde laços culturais e de identidades foram construídos ao longo do tempo. Se as intervenções do Estado objetivam a valorização e a permanência do homem no campo, suas ações têm garantido exatamente o inverso".
Quando, em 2005, o Dnocs e a Superintendência Estadual do Meio Ambiente (Semace) documentaram no Estudo de Impacto Ambiental (EIA) que "não foi constatada na área englobada pela pesquisa a formação de grupos sociais, que através da organização comunitária procurem conseguir superar os obstáculos existentes melhorando assim a qualidade de vida", foi contraposto pelo relatório técnico do analista pericial em antropologia Sérgio Brissac, da Procuradoria da República.
"A subsistência baseada na agricultura aponta para a existência de ‘conhecimentos, inovações e práticas gerados pela tradição’ que os capacitam a habitar no território em que se situam, ou seja, nesses ‘espaços necessários à reprodução cultural, social e econômica’ dessas populações que ora se encontram ameaçadas de remoção".
São comunidades afetadas pelo Projeto Irrigado Tabuleiro de Russas, localizado entre este Município e Limoeiro do Norte, que pretende no futuro produzir, anualmente, R$ 190 milhões em frutas.
Movimentação
Em agosto passado, movimentos rurais de vários municípios se reuniram em Limoeiro do Norte, no Acampamento Zé Maria, em homenagem ao líder comunitário que denunciava a expulsão de comunidades inteiras para dar lugar a empreendimentos agrícolas. Hoje são apontados pelas universidades como responsáveis pelo uso indiscriminado de agrotóxicos e morte de trabalhadores e famílias que bebem água comprovadamente contaminada. O acampamento de praça pública é apenas uma das formas de protesto dessas comunidades que se dizem vítimas das intervenções "indiscriminadas" de projetos de desenvolvimento.
Informações: Diário do Nordeste / Reportagem: Melquíades Júnior
Link:
http://diariodonordeste.globo.com/materia.asp?codigo=846507

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