sábado, 1 de maio de 2010

Envenenamento sutil

*Editorial do jornal O POVO, no caderno Opinião, em 30 de Abril de 2010.
Enquanto prosseguem as investigações sobre o assassinato do líder comunitário José Maria (agora com pedido de intervenção da Polícia Federal), as atenções da opinião pública se voltam para a Chapada do Apodi para examinar as raízes dos problemas que envolvem sua morte: os conflitos fundiários e a questão do uso abusivo de agrotóxicos. Abordaremos, aqui, este último item.
A questão dos agrotóxicos ganha relevo depois que a Companhia de Gestão dos Recursos Hídricos (Cogerh) na Chapada do Apodi - região leste do Estado onde se concentram as maiores áreas irrigadas com águas subterrâneas do Ceará - identificou a presença de agrotóxicos nesses mananciais. O estudo foi financiado pelo Banco Mundial e apresentado em outubro do ano passado com o título de “Plano de gestão participativa dos aquíferos da Bacia Potiguar (CE)”. Os municípios mais visados são os de Limoeiro do Norte, Quixeré, Tabuleiro do Norte e Alto Santo, que receberam 40 estações de monitoramento que dão informações de hora em hora.
A necessidade de fiscalização exigiu a realização de um convênio com a Superintendência Estadual do Meio Ambiente (Semace) para a fiscalização naquela área e para um trabalho de educação ambiental, envolvendo 12 comunidades e cujos dados de monitoramento da água serão apresentados a cada dois meses. Na verdade, desde 2007 uma equipe de pesquisadores do Departamento de Saúde Comunitária da Universidade Federal do Ceará (UFC), conduzida pela professora Raquel Rigotto, faz um trabalho de acompanhamento do impacto dos agrotóxicos na saúde do trabalhador e dos consumidores de frutas no Ceará, com ênfase na Chapada do Apodi. O trabalho é patrocinado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e já constatou a contaminação da água por produtos químicos.
Esses dados reforçam a necessidade de um maior empenho das autoridades públicas para substituir os agrotóxicos por defensivos agrícolas naturais, uma vez que os produtos químicos não só estão contaminando os mananciais como se entranham na própria estrutura de frutos e hortaliças com graves prejuízos para a saúde humana e animal. Os consumidores desses produtos, e não apenas seus produtores, estão sendo paulatinamente contaminados, o que resulta em várias doenças graves, sobretudo, a leucemia e outros tipos de câncer.
Alternativas aos agrotóxicos já existem, aqui mesmo no Ceará, e são os defensivos agrícolas orgânicos, como a manipueira (mas existem outros), um produto retirado da mandioca e de comprovada eficácia para o combate de diversas pragas. Uma das vantagens é que, além de a mandioca ser altamente difundida no Estado, os custos da produção são ínfimos.
Assim, é hora de o interesse coletivo prevalecer sobre o particular e ser desenvolvida uma política destinada a substituir o produto químico pelo orgânico. Assim, a morte de José Maria não terá sido em vão.

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