quinta-feira, 19 de agosto de 2010

Luta contra agrotóxicos: Entrega oficial de dossiê sobre os agrotóxicos na Chapada do Apodi

Apresentação de pesquisas fazem parte da programação que lembra quatro meses da morte do líder comunitário. Em julho passado, amigos e familiares de Zé Maria pediram, em protesto, rigor na apuração da sua morte.
Para dizer que a luta não acabou, e a causa do porta voz da comunidade do Tomé, em Limoeiro do Norte, continua viva, centenas de trabalhadores rurais, militantes sociais, pesquisadores e estudantes universitários estarão, desta quinta-feira (19/08) até o próximo sábado, realizando o 'Acampamento Zé Maria'.
Será o maior manifesto já realizado desde a morte do líder comunitário José Maria Filho, quatro meses atrás. Estava prevista para a madrugada desta quinta-feira um protesto, mantido sob sigilo pela organização do evento. Seminários, apresentação de pesquisas e oficinas também fazem parte da programação.
Na ocasião, será feita a entrega oficial do dossiê sobre os agrotóxicos na Chapada do Apodi e os impactos na saúde, trabalho coordenado pela Universidade Federal do Ceará (UFC).
Três dias de gritos, de uma história de reivindicação que já dura muitos anos, dessa vez lembrada nos quatro meses de morte de "Zé Maria do Tomé", líder comunitário e principal denunciante da contaminação por agrotóxicos no trabalhador, na família e no solo, principalmente na comunidade que representava, o Tomé, na Chapada do Apodi, em Limoeiro. Haverá série de mobilizações contextualizadas no acampamento - saúde, reforma agrária, agroecologia, combate a corrupção eleitoral. Algumas das mobilizações foram tratadas sob sigilo pelos organizadores e não incluídas na programação oficial para o dia de hoje.
Está prevista a presença de centenas de famílias de comunidades de vários assentamentos rurais da região jaguaribana. Todas as diferentes manifestações de luta pela terra em uma só. Durante a manhã desta quinta-feira (19/08) será montado o acampamento na Praça da Câmara Municipal de Limoeiro. A escolha do lugar é óbvia: foram os vereadores de Limoeiro que, numa manobra de última hora em maio desde ano e cedendo a pressões políticas, revogaram a lei que proibia a pulverização aérea na Chapada do Apodi. Era essa uma das principais lutas do agricultor e comerciante José Maria Filho, principal denunciante dos problemas com agrotóxicos na Chapada, todas feitas com exclusividade pelo Diário do Nordeste. As famílias reclamavam do avião despejando veneno que, espalhado pelas ventanias, atingia as residências, causando problemas de saúde.
A decisão da Câmara pela derrubada da proibição aconteceu com um mês da morte de José Maria, assassinado com 18 tiros quando voltava para casa. Por ironia ou coincidência, o seu corpo foi alvejado a poucos metros da pista de pouso da cidade, de onde partiam os aviões pulverizadores e com seguidas visitas do protestante para provar que mesmo com a então proibição pela lei municipal, os empresários continuavam realizando a pulverização. A reportagem descobriu na época que os fiscais do Ministério da Agricultura, órgão responsável pela permissão federal da pulverização, nem tinham conhecimento da lei - ou se tinham, passaram por cima.
No intervalo da morte de José Maria e a revogação da lei pelos vereadores de Limoeiro, pesquisadores do Núcleo Trabalho, Saúde e Meio Ambiente para a Sustentabilidade (Tramas) da UFC divulgaram dado parcial de uma pesquisa apoiada pelo CNPq e que dimensionou o nível de prejuízos causados pelo agrotóxicos: após análise laboratorial, foi constatada a presença de vários tipos de fungicidas, herbicidas, acaricidas e inseticidas em todas 46 amostras de água para abastecimento humano coletadas na Chapada do Apodi. Foram encontrados na torneira de casa até agrotóxicos que estão em reavaliação pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) pelo alto teor nocivo à saúde humana.
Ensejando o 'Acampamento Zé Maria', acontece hoje e amanhã o Seminário Conhecimento e Ação: Resultados da Pesquisa Agrotóxicos/UFC, com participação do Ministério Público e Procuradoria Regional do Trabalho. Hoje finda com um debate, e amanhã haverá discussão sobre mapeamento da saúde em assentamentos rurais, bem como alternativas de produção feitas por comunidades agrícolas na região. Hoje à tarde a professora Raquel Rigotto, coordenadora do Núcleo Tramas, anunciará mais resultados preliminares da pesquisa "Estudo epidemiológico da População da Região do Baixo Jaguaribe" exposta à contaminação ambiental em área de uso de agrotóxicos.
Informações: Diário do Nordeste / Reportagem e Foto: Melquíades Júnior
DIÁRIO DO NORDESTE - EDITORIAL
Vigilância nos agrotóxicos
O meio ambiente começa a ser objeto de ações mais incisivas dos órgãos públicos encarregados de preservá-lo e protegê-lo. O Planalto da Ibiapaba e o Vale do Jaguaribe têm sido os focos mais visíveis do elevado consumo de agrotóxicos, utilizados nos alimentos produzidos nessas duas regiões, colocando em risco a saúde dos consumidores e dos trabalhadores responsáveis por sua aplicação nos cultivos, com reflexo nas terras ocupadas.
Uma força-tarefa constituída por representações do Ministério da Agricultura, Superintendência Estadual do Meio Ambiente (Semace), Agência de Defesa Agropecuária (Adagri), Conselho Regional de Engenharia, Arquitetura e Agronomia (Crea) e da Polícia Militar, iniciou pelo Vale do Jaguaribe a fiscalização dos estabelecimentos especializados no comércio de produtos agrotóxicos. O propósito é chegar até o grande comprador, cujas transações são feitas com os fabricantes.
Esses órgãos públicos priorizaram o vale jaguaribano diante dos elevados índices de enfermidades comprovadas pelos hospitais terciários. Além dos graves problemas causados aos humanos, há as questões sanitárias resultantes do descontrole no emprego do veneno para eliminar as pragas agrícolas e da falta de recolhimento sistemático das embalagens dos produtos tóxicos, descartadas a céu aberto, gerando a poluição dos córregos, riachos e rios da região.
Essa operação conjunta possibilitou, também, a fixação de tarefas específicas para cada um de seus órgãos integrantes, ficando convencionado o acompanhamento do uso até agora indiscriminado dos agrotóxicos. O Ministério da Agricultura terá a responsabilidade pelo controle da entrada dos produtos tóxicos usados nas plantações, bem como da pulverização aérea. À Semace caberá o cadastro dos estabelecimentos e a fiscalização desse tipo de comércio.
A Agência de Defesa Agropecuária terá a incumbência de monitorar e regulamentar o uso e a aplicação do veneno nos plantios de alimentos. Essa tarefa será decisiva na exigência do receituário agronômico, mediante o qual os produtos são comercializados. Nesse segmento, o Crea tem papel relevante, pois nenhum produto com grau de toxicidade pode ser comercializado sem a receita prévia do agrônomo.
Entre as primeiras aberrações constatadas em Limoeiro do Norte, havia uma loja vendendo no mesmo espeça, agrotóxicos, ração animal, e algumas espécies de pássaros. O estabelecimento comercial foi interditado. Como ele, há dezenas espalhadas pelo interior do Estado, exatamente pela ausência de fiscalização sistemática sobre as práticas mercantis de defensivos agrícolas.
Quando chegar ao Planalto da Ibiapaba, essa força-tarefa encontrará duas realidades: de um lado, plantadores de hortifrutigranjeiros, comercializados nos grandes centros urbanos, com elevado índice de substâncias tóxicas; e de outro, a experiência bem-sucedida de produtores engajados na agricultura orgânica, especialmente no cultivo de hortaliças sem a menor contaminação por veneno. O surgimento desse grupo traz a esperança de alimentos mais saudáveis.

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