domingo, 15 de março de 2009

Boatos compõem o real e o imaginário popular

Antigos meios de comunicação do mundo, até hoje mexe no cotidiano popular.
Atire a primeira pedra quem já não ouviu que, em algum lugar, um grande açude arrombou, algo estranho no céu explodiu, um ovo de dinossauro “chocou”, que bandido valente aparava criança em ponta de faca e onça-pintada no dente; que foi raptado por extra-terrestres. Não viu direito, nem lembra como foi, “só sei que foi assim”. Têm notícias que correm feito rastro de pólvora, de boca em boca, sobre o fim do mundo ou coisa parecida. Muitas vezes causa furor popular, em que no lugar da fundamentação científica vale a credibilidade de quem falou, mas dificilmente se sabe quem fez o primeiro anúncio, quem foi o autor do boato, um dos mais antigos meios de comunicação do mundo e que até hoje mexe no cotidiano popular, especialmente no Interior.
Parede da barragem do Açude Castanhão, que boatos anunciaram que iria romper e destruir cidades. (Foto: Melquíades Júnior)
Em abril de 2007, várias crianças deixaram de ir à escola em Limoeiro do Norte porque pretendiam “morrer em casa com a família” quando chegassem as águas do Castanhão. É que correu a notícia de que numa dada segunda-feira o Castanhão iria arrombar, e seria uma questão de horas para as águas tomarem a cidade e só ficar a torre da igreja de fora. Por esse motivo, famílias do bairro Luís Alves juntaram as coisas de casa, montaram numa carroça e saíram de mudança para o alto da Chapada do Apodi, relevo inatingível àquela catástrofe.
O período coincidiu com a sequência de abalos sísmicos com epicentro próximo de Jaguaribara. “O Castanhão tremeu” foi a notícia que correu na imprensa local, depois nacional, com a população apavorada. Uma pedra encontrada durante as escavações de construção de açude, apelidada de Pedra do Fim dos Tempos, ainda hoje dá conta da profecia apocalíptica, já que a palavra científica tem menor credibilidade principalmente nas camadas populares, e depois que o homem disse que “nem Deus afunda o Titanic” e até hoje ele está debaixo d’água, o sertanejo prefere acreditar que, dentre outras coisas, na próxima quinta-feira, Dia de São José, se chover é bondade do Santo. O fato do tremor, comprovado, é que ocorreram terremotos na região do Castanhão — o que se disser sobre rachadura da parede ou data para o “gigante” arrombar é improvável, é boato, até agora.
Sucuri no Jaguaribe
Uma semana antes do Carnaval 2009, em que os atrativos nos municípios do Interior são os balneários, teve gente que deixou de tomar banho no Rio Jaguaribe. Correu notícia de que uma sucuri, vinda das águas do Castanhão, percorreu o Rio Jaguaribe até a Passagem Molhada entre Limoeiro e Tabuleiro. A Polícia havia encontrado uma mulher com os ossos quebrados, conforme a sucuri mata a presa. A juíza de Limoeiro teria proibido o banho na Barragem das Pedrinhas e na passagem molhada entre as duas cidades jaguaribanas.
A reportagem do Diário do Nordeste entrou em contato com Corpo de Bombeiros, Polícias Civil e Militar e o Poder Judiciário. Ninguém ouviu falar, a não ser porque “ouviu dizer”, de cobra sucuri, de mulher encontrada com o corpo estrangulado, nem de interdição judicial em balneário. Tinha-se um novo boato na região.
Sem ser sinônimo de fofoca nem de mentira, o boato é uma notícia que corre pública e informalmente, mas não confirmada. Não tem lugar, idade, classe social ou nível de conhecimento para se proliferar. Em Paris, França, existe uma Fundação para o Estudo e Informação sobre Boatos.
Para seu pesquisador-presidente, Jean-Noël Kapferer, o boato é a “voz das ruas. Reflete as preocupações conscientes ou inconscientes da sociedade no momento em que circulam. Há uma dose de imaginação, mas também um sentido de sobrevivência. Toda relação humana repousa sobre uma certa dose de segredos. Existe uma assimetria entre aquilo que você sabe e guarda para si e aquilo que conta para os outros. Esses outros, quando se sentem desinformados, se defendem, usando o boato”.
Assim se relacionaria o fenômeno da data de arrombamento do Castanhão com os abalos sísmicos. Ou, uma notícia de repercussão internacional, dando conta de uma suposta explosão de uma bomba atômica nos céus de Quixadá, no Sertão Central, durante o período da Guerra Fria, em que a corrida armamentista norte-americana levou a experiências aéreas nos céus da América.
Quando o boato é confirmado verdade, como o de que “o Castanhão tremeu”, vira, pela população, elemento de contra-poder e contestação à informação oficial do Departamento Nacional de Obra Contra as Secas (Dnocs). Mas foi necessário que diretores e especialistas realizassem uma coletiva de imprensa para dizer que “o Castanhão não rachou e não há indícios de que vá acontecer isso”, afirmou a diretora Cristina Peleteiro, para ainda ouvir de populares que “vocês estão escondendo coisa da gente”.
Muitas vezes encontrar a verdade, quando é possível, demanda uma pesquisa profunda e confrontamento de versões. Foi o que fez o historiador cearense Tácito Rolim, que ficou curioso para saber o que aconteceu quando “uma bomba atômica explodiu em Quixadá”, na década de 1950, apavorou a população e que até hoje tem quem se lembra do “estrondo”, que parecia que o mundo ia acabar, conforme relatam.
Trechos da reportagem de Melquíades Júnior, para o Diário do Nordeste
Clique aqui para ver a reportagem direto da fonte.
Bombeiros capturam cobra de quase 3 metros em Limoeiro
Frente aos boatos sobre a 'Sucuri do Jaguaribe', o Corpo de Bombeiros da cidade de Limoeiro do Norte foi informado de que havia uma cobra de quase 3 metros, nas proximidades do Campo Florestal deste município.
O fato ocorreu quarta-feira (11/03), por volta das 13:00 horas, e ao chegar no local, os Bombeiros constataram que não se tratava de mais um boato ou trote.
Apesar da cobra estar um pouco agitada, o grupamento obteve êxito na ocorrência, e depois de capturada, a cobra foi solta em um matagal afastado da cidade.

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