domingo, 15 de março de 2009

Rei do Cangaço torna-se também o ‘Rei do Boato’

Para a professora da Unicamp, Eni Orlandi, o boato é uma arma para a dominação e também para a resistência.
Contou-se aos quatro ventos que um bandido destemido espalhava o medo por onde passava. Era homem de uma palavra, quando dizia, estava dito, e “ai” de quem desafiasse quem se autodenominou de “Rei do Cangaço”.
Personagem controversa, Virgulino Ferreira, o Lampião, era o mote certo de muitos boatos no início do século passado no Nordeste. As informações vinham do seu poder de mira para atirar, à valentia e força para aparar na ponta da faca quem ousasse desafiá-lo.
Feito notícia ruim que se espalhava logo, Lampião percorria os boatos, que difundiam o destemor e a grandiosidade do cangaceiro. Verdade ou mentira, essa estratégia de comunicação colaborou para a criação do mito em torno do “herói-bandido”.
Ele foi o homem matador, mas negociador. Truculento, mas que amava as mulheres e preocupava-se com a própria aparência. Nos sertões nordestinos o boato chegava antes de Lampião e, com ele, a idéia de que melhor negócio é não discordar do cangaceiro. Polícia fazia vista grossa e população fechava as portas de casa. O último dos boatos foi se lampião morreu de “morte matada” ou “morte morrida”. Nem a cabeça exposta e fotografada do cangaceiro foi suficiente para exterminar o boato.
Toque de recolher em Limoeiro
É comum o boato se espalhar em situações de medo, de euforia. Assim são com os terremotos (mesmo quando ocorrem um, os boatos sempre prevêem mais) e com as figuras populares, como Lampião, que muito se beneficiou da notícia não-oficial sem comprovação.
Em 2003, quando aconteceu a chacina de Limoeiro, boatos espalharam pânico na cidade de que Chico Orelha – acusado de participar da morte das sete pessoas – mesmo fugindo da Polícia, empreendia toque de recolher na cidade, de que a qualquer momento poderia fazer outra visita fatal. Em poucos dias, várias histórias de crimes e ditos foram apontadas tendo como protagonista o jovem pistoleiro, cuja captura virou “questão de honra” para as Polícias do Ceará e do Rio Grande do Norte.
Ainda na região jaguaribana, no início dos anos 90 conta-se que todas as noites uma mulher diferente era visitada na calada da noite por um maníaco estuprador, em Limoeiro do Norte. Chegava em silêncio nas casas, furando as fechaduras com uma pua — ponta aguda — de marceneiro, recebendo o apelido de “Homem de Pua”. Muitas mulheres dormiam com facas de mesa ao lado da cama, e trocaram portas de madeira por portões de ferro, imperfuráveis à pua. Quando o dito “Homem da Pua” foi preso, a população não sossegou, pois novas perfurações em portas eram encontradas, dando a entender que havia mais de um homem da pua rondando pela comunidade e deixando as pessoas cada vez mais aflitas.
Trechos da reportagem de Melquíades Júnior, para o Diário do Nordeste
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