Historiadores da Faculdade de Filosofia Dom Aureliano Matos lançam livro: "Vale do Jaguaribe - histórias e culturas".
Um dia, guiados pelo Rio Jaguaribe, os invasores colonizadores encontraram os índios, as onças, e fincaram os pés no Vale do Jaguaribe, o primeiro ponto da ocupação no Ceará. Séculos depois da “descoberta”, impulsionados pela curiosidade e a impertinente busca de conhecimento, historiadores por formação encontram papéis velhos, mofados, empoeirados, mas também elementos vivos da memória, das histórias e tradições locais. Numa prova de que a história é passado, mas presente; particípio, mas gerúndio, aguça-se a sensibilidade e estuda-se a própria realidade, já que presente prevê o futuro.
Pôr-do-sol: Paisagem relembra a época de ouro da região, quando a economia estava solidificada com o comércio de cera de carnaúba.
Retratos da realidade do Vale do Jaguaribe e, ao mesmo tempo, recortes universais da humanidade estão grafados em “Vale do Jaguaribe – histórias e culturas”. Não é só um apanhado de artigos acadêmicos, mas a chama da resistência, no Interior, do registro do conhecimento. Apesar de o Cariri ser, emblematicamente, o que primeiro vem à mente de um leigo quando o assunto é Interior deste Estado da Nação, foi na região jaguaribana que teve início a incursão “civilizatória” propriamente dita no Ceará.
Início para uns e fim para outros – os naturais donos, diga-se, já que os índios foram expulsos e dizimados justo no período de sua grande resistência à colonização, na famosa Guerra dos Bárbaros. O Jaguaribe (do tupi: Rio das Onças), virado em mar de sangue, ficou sem onça, índio e até sem água – não fosse perenizado pelos açudes ainda seria “o maior rio seco do mundo”.
Mas outros povos assumiram o lugar, e a partir de quando se fez registro escrito, de vida ou de morte, têm-se aí o alvo dos graduandos do curso de História da Faculdade de Filosofia Dom Aureliano Matos, unidade descentralizada da Universidade Estadual do Ceará (Uece), em Limoeiro do Norte. Eles são os autores do livro.
Sertão e cidade
Se for considerado do ponto de vista histórico e social, o livro é sobre o Vale do Jaguaribe, mas geograficamente do que se fala é o Baixo Jaguaribe, especialmente Limoeiro do Norte – locos de dez dos 16 artigos que compõem o livro, que está dividido em quatro partes: Sertão, cultura e trabalho; Cidade, cultura, poder e religiosidade; Campo e cidade – as doenças não têm fronteiras; e Escravidão e ciganos - um olhar histórico-antropológico. Quem já cortou o Ceará de norte a sul e viu que, no meio do caminho tem carnaubal, talvez não saiba que, no meio do curso da história, entre os séculos XIX e XX, o extrativismo desse vegetal colocou a região jaguaribana no mercado internacional.
O Ciclo da Cera de Carnaúba, de que fala o professor Olivenor Chaves, organizador do livro. Já dizia padre Antônio Thomaz que “tudo, na carnaubeira, é prestante e amigo. Nenhuma árvore é mais dadivosa e fecunda”, bem sabiam disso que os ribeirinhos de várzea do Jaguaribe faziam riqueza do pó da cera e da palha. No município de Palhano, uma família artesã inteira aproveita a noite enluarada para os serões de trança de palha de carnaúba, a feitura de bolsas e chapéus. O antigo proprietário de carnaubais em Russas, Elias Bento, conta que ganhou tanto dinheiro “que guardava dentro de uma mala, sabe? Comprei casa na cidade pra meus oito filhos. Vamos dizer que eu era rico... A natureza já dava pronta, nem precisava a gente pedir inverno, era como se Deus dissesse: esse povo mora num canto seco, num vão ter o que comer no verão, então-se, eu vou dar a carnaubeira para eles sobreviver, a natureza é muito sábia, tudo que Deus faz é certo, sabia?”, conta.
Obra
Para saber ou lembrar, “Vale do Jaguaribe – histórias e culturas” é uma obra acadêmica destinada à comunidade jaguaribana e aos interessados em conhecer o período de colonização da região. O livro é um encontro de olhares do povo jaguaribano, que escreve e lê, com suas próprias histórias.
De um lado, exercício da pesquisa; de outro, reparo da memória da formação das elites locais e as relações de poder sobre as camadas populares da pirâmide social.
Mais informações:
'Vale do Jaguaribe - histórias e culturas'. 302 páginas
José Olivenor Sousa Chaves - Organizador
(85) 9188.9800
Fonte: Diário do Nordeste / Reportagem e Foto: Melquíades Júnior
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