Os venenos usados para combater pragas nas plantações podem provocar sérios problemas de saúde.
Os principais órgãos que tratam da saúde humana e da regulação do uso do meio ambiente estão em consenso que, no Estado do Ceará, a utilização abusiva de agrotóxicos está causando prejuízos à saúde. As divergências referem-se às causas das contaminações, mas todos concordam sobre os problemas que os venenos altamente tóxicos podem causar no ser humano - de uma simples dor de cabeça até alterações genéticas e tumores malignos. Atualmente, o câncer é a segunda causa de morte no Ceará e também está relacionado com esses venenos.
Atrasado no processo de controle do uso de agrotóxicos, o Ceará dá o mau exemplo de, mesmo sendo um dos maiores produtores de frutas do País, não estar capacitado para analisar resíduos de agrotóxicos nos alimentos que o cearense consome. Há pelo menos quatro anos os laboratórios públicos dizem estar se adaptando para tal atividade. Mas 17 anos após a criação da legislação estadual sobre o tema, os principais organismos têm apenas argumentos para repartir responsabilidades.
Foi somente com análise de três Laboratórios Centrais de Saúde Pública (Lacen), nos Estados do Paraná, Goiás e Minas Gerais, que se averiguou o excesso de veneno em 17 dos 20 tipos de frutas, legumes e hortaliças que o cearense mais consome, conforme reportagem exclusiva no Caderno Regional no dia 15 de maio de 2010. A pesquisa ainda não foi divulgada oficialmente pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e Secretaria da Saúde do Estado, (Sesa), órgãos que solicitaram o levantamento. Mas foi a divulgação antecipada por este jornal que deu mais elementos à série de discussões ocorridas durante este mês no Estado para tratar da política de uso de defensivos agrícolas. "Estou vendo que é mais fácil erradicar a febre aftosa do que acabar com o uso indiscriminado de agrotóxico no Ceará", afirmou o superintendente da Agência de Defesa Agropecuária (Adagri), Edilson de Castro.
Em janeiro de 2009, a União Europeia proibiu a pulverização aérea de veneno nas áreas agrícolas, por reconhecer os riscos à população e ao meio ambiente, e, em maio de 2010, a Câmara Municipal de Limoeiro do Norte - onde no ano passado a média foi de uma morte por câncer a cada oito dias - revogou a lei que já havia sancionado e voltou a permitir a pulverização aérea. A medida se deu no mesmo período da divulgação das principais pesquisas envolvendo contaminação da água, do solo e do homem por venenos químicos na Chapada do Apodi, em Limoeiro do Norte.
No embate questões políticas versus saúde pública, a estratégia dos que defendem o atual modelo de aplicação de defensivos é tentar desqualificar as pesquisas científicas e minimizar o impacto dos agrotóxicos frente o potencial de geração de empregos - em muitos casos a caracterização de subempregos, conforme o próprio Ministério Público do Trabalho (MPT).
Desinformação
Outra medida é apontar a desinformação dos pequenos produtores como principal causa do uso indiscriminado, mesmo diante da constatação de que, aproximadamente, 85% das terras da Chapada do Apodi estão concentradas em médios e grandes produtores, e é lá que se constatou a contaminação, por infiltração no solo, da segunda maior reserva de água subterrânea do Nordeste, o aquífero Jandaíra.
Falta análise
Dois anos atrás, quando o Diário do Nordeste publicou Caderno Especial sobre o uso indiscriminado de agrotóxicos no Ceará, o Laboratório Central de Saúde Pública do Ceará (Lacen), questionado sobre a falta de análises sobre a quantidade de resíduos tóxicos nos alimentos, alegou estar em "reforma", aguardando aquisição de equipamentos e necessitando capacitação de pessoal. Em 2010, a situação é semelhante. E a Fundação Núcleo de Tecnologia Industrial do Ceará (Nutec), também com laboratório de análise de alimentos, justificou estar em processo de modernização, ainda sendo instalados equipamentos de espectometria de massa para a realização de análises de multirresíduos em alimentos e água. Não há previsão para conclusão desse processo, já anunciado há mais de um ano.
O anúncio oficial do maior levantamento já feito em análise de resíduos agrotóxicos em frutas e verduras vendidas no Ceará deve acontecer no mês de junho pela coordenação estadual do Programa de Análise de Agrotóxicos em Alimentos (Para). De 20 tipos de alimentos, 17 estão com venenos acima do permitido ou proibidos por lei. O pimentão foi o campeão de contaminação, seguido de pepino e uva. Todos os alimentos foram colhidos em grandes e pequenos pontos de venda da Grande Fortaleza.
USO INDISCRIMINADO
Audiência debate efeitos de venenos
Na semana passada, a Assembleia Legislativa do Ceará realizou audiência pública para discutir os efeitos dos agrotóxicos na saúde da população. Os principais órgãos estaduais, com exceção da Secretaria do Desenvolvimento Agrário (SDA), estiveram reunidos para combater o que já admitem como "uso indiscriminado" de agrotóxico nas lavouras.
Adagri divulgou relatório próprio diagnosticando abuso de veneno. Semace reconheceu a carência de pessoal para fiscalização, Cogerh reafirmou o relatório de contaminação do aquífero por agrotóxicos, especialistas da UFC apresentaram as amostras de água para consumo humano com 100% de contaminação, mas o ciclo de seminários envolvendo as comissões de saúde, do meio ambiente e de agricultura da Assembleia Legislativa nas microrregiões do Estado devem percorrer o ano sem encaminhamentos concretos.
As ações dos agrotóxicos no corpo humano podem causar os mais diversos tipos de doenças, algumas delas silenciosas, fatais, e que até podem ser descobertas somente passados muitos anos, enquanto provocam náuseas, tonturas, dores de cabeça e alergias. A contaminação pode se dar tanto por exposição direta - caso dos trabalhadores rurais ou comunidades atingidas pelas aplicações - ou indireta pelo consumo de alimentos.
Audiência Pública, realizada na Assembleia Legislativa do Estado do Ceará, discutiu o uso do agrotóxico. Nos anos de 2008 e 2009, pelo menos três trabalhadores do setor de aplicação de veneno de empresa fruticultora em Limoeiro do Norte morreram vítimas de contaminação.
O caso mais emblemático foi o de José Valderi Rodrigues, que perdeu os dedos do pé e depois uma das pernas, vindo a óbito por contaminação bacteriana. Outros casos tiveram sintomas parecidos: tonturas, vômitos, desidratação e, em exame já em estado terminal, diagnóstico de redução das plaquetas no sangue.
O aumento dos casos de câncer entre os municípios de Limoeiro e Quixeré, que cercam a Chapada do Apodi, levantou as discussões sobre o potencial cancerígeno dos agrotóxicos daquela região. Entre os anos de 2008 e 2009, 86 pessoas morreram vítimas de neoplasia (câncer) - uma média aproximada de uma morte a cada oito dias. No ano passado, no Estado do Ceará, 5.635 pessoas morreram vítimas de tumores malignos.
Em levantamento realizado no ano passado pela Adagri com 51 produtores da Chapada do Apodi, os técnicos concluíram que todos utilizam produtos agrotóxicos para combater as pragas. Foi levantado que 94% não devolvem as embalagens vazias, 63% não sabem o período de carência e, um dado grave, 75% adquirem o veneno sem receituário agronômico, obrigatório por lei para os elementos muito tóxicos.
Análise
17 frutas, legumes e hortaliças cearenses contaminados com excesso de veneno de um total de 20 tipos. Este foi o resultado da análise de três Lacen, do Paraná, Goiás e Minas Gerais.
Informações: Diário do Nordeste / Reportagem e Foto: Melquíades Júnior
Nenhum comentário:
Postar um comentário