No Brasil, alguns agrotóxicos reavaliados pela Anvisa são proibidos nos principais países do primeiro mundo.
O registro de agrotóxicos tem caráter vitalício no Brasil, mas diante de pesquisas mais aprofundadas que revelam o alto risco para a saúde humana e ambiental da aplicação de alguns produtos, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) criou uma lista de venenos em reavaliação, sendo que boa parte deles atualmente estão proibidos nos principais países desenvolvidos.
Mas, enquanto grupos de engenheiros agrônomos ligados a empresas fruticultoras na Chapada do Apodi defendem que as pulverizações aéreas e em terra dessas grandes fazendas é feita "dentro da lei", biólogos e médicos alertam que "não há níveis seguros de agrotóxicos" para o meio ambiente nem para o consumo humano e a lei precisa ser revista. A legislação estadual que trata do assunto, de 1993, é considerada "ultrapassada" por órgãos governamentais e também por deputados.
Os agrotóxicos só têm registro permitido para produção e comercialização após uma série de testes que avaliam os níveis toxicológicos do produto para o meio ambiente e à saúde humana, principalmente. São estimadas as chances de provocar mutações gênicas, distúrbios hormonais, alterações no aparelho reprodutor etc. Com base nos levantamentos, os produtos são permitidos ou não. Mas diante do avanço tecnológico e as investigações mais aprofundadas sobre os efeitos dos venenos no homem, vários países no mundo - notadamente os Estados Unidos e países da Europa -, passaram a proibir a produção e comercialização.
Um certo veneno químico, de nome Metamidofos, foi proibido na China, que utilizava o produto em larga escala nas lavouras. Por determinação dos órgãos ambientais e de saúde pública, esse defensivo agrícola foi proibido no país. O que virou lixo lá tornou-se uma das marcas favoritas no Brasil, onde o consumo de Metamidofos aumentou três vezes entre 2008 e 2009, segundo a bióloga Daniela Macedo, do núcleo de Normatização da Agência Nacional de Vigilância Sanitária. "O Metamidofos apareceu em 10 culturas para as quais não era autorizado, e no feijão foi encontrado acima do limite permitido", esclareceu a bióloga, acrescentando que as classes em que são agrupados os agrotóxicos não significam níveis de eficiência na lavoura, mas sim de toxicidade para o homem.
Embalagens de agrotóxicos na beira de tanque que abastece as famílias com água, na Chapada do Apodi. Foi constatado que a água desta região tem resíduos de veneno. (Foto: Melquíades Júnior) O Núcleo Trabalho, Saúde e Meio Ambiente para a Sustentabilidade (Tramas), que reúne mais de 20 especialistas da Universidade Federal do Ceará (UFC), constatou que na Chapada do Apodi são aplicados os coquetéis de veneno, mistura de diversos tipos de agrotóxicos que possuem diferentes tipos de carência de aplicação. "O importante para eles é que os bichos que atacam a lavoura estejam mortos", diz Raquel Rigotto, pesquisadora e líder do grupo. Por conta das constatações dos impactos na saúde causados pelos agrotóxicos, a cientista está sendo processada judicialmente por uma das maiores empresas de fabricação de agrotóxicos no mundo.
Diante dos dados científicos, a primeira saída encontrada pelos grupos que produzem, comercializam ou aplicam o veneno é desqualificar os grupos de pesquisa. Foi o caso dos vereadores de Limoeiro do Norte que, por solicitação da Prefeitura, revogaram a lei municipal que proibia a pulverização aérea na Chapada. Uma semana antes, os especialistas da UFC divulgaram relatório com 46 amostras de água para consumo humano em diversas comunidades da Chapada. Em todas as análises foram encontrados agrotóxicos, usados especialmente nas lavouras de abacaxi, banana e melão.
Quem mais reclamava da pulverização aérea, que estaria contaminando os canais abertos de água e as comunidades no entorno das plantações, era o líder comunitário José Maria Filho, que viu a lei proibitiva ser sancionada, mas não a derrubada dessa medida, exatamente um mês após seu assassinato.
"Existe uma tentativa de culpar os trabalhadores pelo mau uso dos agrotóxicos, como se a desinformação dos pequenos fosse a causa desse imenso problema, quando o que existe é a concentração de terra. O veneno químico não é a única alternativa, a agroecologia já se mostrou viável e ecologicamente sustentável. Jamais o lucro tem que estar acima da vida humana", diz Lourdes Vicente, do movimento internacional Via Campesina. "Aprendi a não teimar muito com os números. O que falta realmente é ação", diz o analista ambiental do Ibama no Ceará, Antônio Muller.
PETROLINA
Pernambuco também discute sobre contaminação
Limoeiro do Norte. Este município no Ceará tem em comum com Petrolina, Estado de Pernambuco, mais que o fato de ser um polo agrícola de ponta. Nesses dois agropolos de perímetros irrigados, grupos de pesquisa ligados aos governos de cada Estado encontraram resíduos de agrotóxicos em depósitos de água para consumo humano. Dados comparativos da saúde da mulher em Petrolina e Recife, capital daquele Estado, suscitou a discussão sobre os impactos que os venenos geram na população.
As mulheres de Petrolina estão menstruando mais cedo (9,5% antes da média, a partir de 13 anos) que as mulheres de Recife (4,5% acima da média); em Petrolina se tem o dobro de chance de aborto espontâneo em relação às mulheres que residem em Recife. Em Petrolina a Anvisa constatou, entre 2000 e 2007, os princípios ativos organofosforados, benzimidazóis, carbamatos, piretroides e compostos clorados acima do permitido no depósitos de água para abastecimento humano.
"A atual legislação brasileira de potabilidade de água regulamenta 54 substâncias químicas que representam algum risco à saúde humana, sendo 22 deles agrotóxicos", afirma a doutora em Biologia Molecular e Celular pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Paula Sarcinelli.
Em janeiro deste ano, a Fiocruz em Pernambuco divulgou pesquisa apontando o potencial cancerígeno em agrotóxicos utilizados no Estado. Dos 43 ingredientes ativos pesquisados, presentes nos agrotóxicos, 35 deles (81%) foram classificados potencialmente carcinogênicos, três (7%) apresentaram potencial pré-carcinogênico (que podem se transformar em substâncias cancerígenas) e cinco (12%) não foram passíveis de classificação.
Informações: Diário do Nordeste / Reportagem e Foto: Melquíades Júnior
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