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segunda-feira, 5 de abril de 2010
Casa de taipa expressa cultura
A taipa tem mais de nove mil anos, e antes de servir aos ribeirinhos do Rio Jaguaribe, já estava na Mesopotâmia. Maria de lourdes mora com a família numa casa de taipa em Limoeiro. O sonho é ter uma casa de tijolo.
Mil anos atrás, os mouros tomaram o castelo de Sintra, em Portugal e intervieram na imponente construção com terra molhada, moldada no alto de uma montanha. Mil anos antes disso, os chineses já construíam uma muralha com pedras, mato e argila, obra que protegeu o império de inimigos e hoje pode ser vista da Lua.
E na manhã deste domingo (05/04), apenas o sol como testemunha, dona Maria de Lourdes Ferreira ficou com as mãos sujas, o corpo suado, as palmas das mãos e pés escuros como o seu corpo negro. A menos que chova é aos domingos que pode reformar as paredes de sua casa, o seu "império", sua muralha diante do sol e do vento. Ela faz como aprendeu com os pais. A arquitetura possível, mas autônoma, natural e ecológica.
A casa de taipa, ou de pau-a-pique, feita de barro e madeira, atravessa milênios, permeia culturas, e mais do que uma imposição social nos dias atuais, é sinal de liberdade criadora do lar próprio, numa intensa relação entre o ser humano e a natureza que o cerca.
É uma construção silenciosa. O barro molhado, mas não muito, não pode ser oito nem 80 para que a terra fique no ponto certo e a parede não rache.
As varas de bambu confundem-se com os talos de carnaúba, todos juntos pelo mesmo ofício, formando costelas mergulhadas em barro. Com várias baldadas de terra (são necessárias umas 150 para taipar uma casa inteira), as paredes são calhadas pelas mãos de dona Maria de Lourdes.
O sol e o vento tratam de secar, e só depois disso se põe mais barro, para tapar as brechas que ficam. Tem besouro que não pode ver uma delas que se instala, carregando na sua "barriga" o microscópico bicho de tipo protozoário e nome Tripanossoma Cruzi. "É o barbeiro trazendo a Doença de Chagas pra dentro de casa", resume Maria de Lourdes.
Conforme série de reportagem publicada na edição de ontem do Caderno Regional, e que termina com esta matéria, políticas públicas de habitação estão sendo promovidas no sentido de substituir as casas de taipa por casas de tijolos. A medida lidera as ações de combate e prevenção contra o Mal de Chagas, transmitido pelo "barbeiro" e que ainda vitima muitas famílias no Estado.
A casa de taipa é vista por arquitetos com a viseira apontada para o "moderno" como arquitetura pobre, menor, mas se a construção tem o cuidado de evitar o contato da madeira com a umidade e as paredes são revestidas para evitar brechas e deterioração, tem-se a construção mais ecológica possível. Se não fosse forte e sustentável, os mouros não a teriam usado para fazer castelo nem os chineses para a muralha da china. Dessa matéria bruta que surgiu a "sofisticada" casa estúdio do fotógrafo cearense Maurício Albano, em Fortaleza.
Esse tipo de construção, no modelo pau-a-pique, veio para o Brasil no período colonial, como uma das mais autênticas manifestações arquitetônicas para o novo lugar, somando-se às já existentes ocas de palha dos índios. O auge da casa de terra foi no ciclo do ouro, em cidades como Ouro Preto, em Minas Gerais. Porém, em todo o País, muitas casas e igrejas do tempo colonial tinham as estruturas reforçadas com taipa.
A taipa tem mais de nove mil anos, e antes de servir aos ribeirinhos do Rio Jaguaribe, no Ceará, já estava no Rio Tigre, na Mesopotâmia - pelas bandas do que hoje é Iraque.
O reforço que dona Maria de Lourdes dá na casa é em pleno Domingo de Páscoa. "Só da pra ser domingo", afirmou à reportagem cinco dias antes do período pascal, quando os católicos comemoram a Ressurreição de Cristo, os judeus, a libertação de Israel, e Maria de Lourdes, o tapamento dos buracos, que as ripas de madeira não podem ficar aparecendo. Se bate a umidade, condena o barro todo. Só deixa sobrar umas pontinhas nas paredes internas, porque as faz de armador para as redes. Tem também uma cama num dos quartos, mas como o piso também de barro não é completamente plano, tem a impressão de que o móvel está com uma das pernas quebradas.
O lar feito de terra, como se formasse uma caverna que brota do chão, resiste ao tempo, mantido mais pela condição de pobreza do que como alternativa arquitetônica. O saber fazer, que um dia foi transmitido para as várias gerações pela oralidade, está se perdendo com o tempo. A falta de técnica está fazendo dessas construções a moradia temporária que ficou tão permanente quanto a condição de pobreza. O mais que se quer é erradicar, mudar para uma casa de tijolo, sustentável e limpa. Para pessoas pobres que moram no mesmo chão de onde brota riqueza traduzida em frutas, é sinal de redenção e, principalmente, dignidade.
Informações: Diário do Nordeste / Reportagem e Fotos: Melquíades Júnior
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