O projeto "Começar de Novo" promove capacitação profissional e acompanhamento dos egressos das cadeias.
O homem comete um crime e é punido com a privação de liberdade. Enjaulado, passa a viver em condições sub-humanas, tem no ócio a ferramenta para o ódio e a certeza de sair pior do que entrou. Perde a família e todas as referências sociais. De cada dez pessoas que deixam a cadeia, pelo menos sete voltam a praticar crimes.
Para mudar a atual realidade do sistema penitenciário brasileiro, um projeto do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) pretende dar aos presos e egressos a oportunidade de fazer melhor proveito do retorno à vida na sociedade. Chega ao Ceará o projeto "Começar de Novo", implantado primeiro em Limoeiro do Norte e que, além dos presos, está envolvendo institutos educacionais, governo, empresas e as famílias dos detentos.
A lei que pune o criminoso por seus crimes é a mesma que prevê que o egresso das instituições carcerárias deve ser reintegrado à sociedade. O projeto Começar de Novo, implantado no Brasil desde 2008, oferece cursos técnicos de capacitação, para dar a essas pessoas uma alternativa profissional e evitar o retorno aos crimes.
O detento Francisco Reginaldo está aprendendo noções básicas de eletricidade. Participa do curso com outros colegas de cela, oferecido no campus em Limoeiro do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará (IFCE). Fábio Costa quer sair e arrumar um emprego. Aos 26 anos de idade, descobriu o sonho de ser eletricista, para quando sair poder ajudar a criar seus quatro filhos.
O ex-atleta Francisco Oliveira, que está noivo, voltou a estudar. Quando estiver em liberdade pretende se casar e mudar de vida, mesmo acreditando que pelo crime que cometeu
(ainda não houve julgamento) não pode fazer planos breves para uma vida fora da prisão.
Cursos técnicos de capacitação são oferecidos para os egressos do sistema prisional. O objetivo é promover a reintegração efetiva dessas pessoas à sociedade. (Foto: Melquíades Júnior)
Dar novas condições de futuro e novas perspectivas ao preso, para "acima de tudo, proteger a sociedade".
É o que pontua Luciana Teixeira de Sousa, juíza da 1ª Vara e responsável pelo projeto na comarca de Limoeiro do Norte.
"Ao dar uma oportunidade aos presos, também estaremos dando oportunidade às suas famílias, e o estreitamento com o núcleo familiar é importante no combate à reincidência", explica a juíza, que tem visitado todas as secretarias públicas municipais, para que os egressos do sistema penitenciário e mesmo seus filhos possam ser envolvidos nos projetos.
Membro do grupo de monitoramento do projeto Começar de Novo no Estado, Luciana Teixeira conseguiu assinatura do prefeito de Limoeiro do Norte, João Dilmar, no Termo de Cooperação de Adesão, em solenidade no Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE). Além de Limoeiro, o município de Tauá, no Sertão dos Inhamuns, assinou o termo.
O engajamento da magistrada tem ultrapassado a mesa de audiência na comarca do município. Os magistrados participam de visitas oficiais a autoridades municipais para, principalmente, visitar as famílias dos detentos e egressos do sistema carcerário do País.
A Lei de Execução Penal define como egresso o condenado libertado definitivamente, pelo prazo de um ano após sua saída do estabelecimento prisional. Também é equiparado ao egresso o sentenciado que adquire a liberdade condicional durante o seu período de prova.
Só há um critério para os detentos que queiram participar do projeto: interesse. "Até agora todos têm mostrado vontade de participar. Deixo claro que isso não abranda a pena, eles continuam atendidos no rigor da lei. Mas é uma chance de essas pessoas terem novos sonhos, e o passo seguinte será propagar o projeto para toda a região. A sociedade e as instituições precisam conhecer a iniciativa para se engajarem", afirma Luciana Teixeira.
RESSOCIALIZAÇÃO
Vitória contra o preconceito
Sem que a vizinhança acreditasse, a juíza Luciana Teixeira visitou a casa de seu "Cocó", o egresso João Rufino da Silva Nogueira, de 36 anos. Ele é um dos beneficiados pelo projeto Começar de Novo. Conheceu mulher e filhos, falou da importância do engajamento familiar e ajudou o ex-detento a ter um sonho dos filhos realizado: participar do projeto AABB Comunidade, com atividades extracurriculares para as crianças. "Melhora a autoestima de todos, até a minha como juíza e que, como pessoa, tenho a oportunidade de ver uma vida começar a mudar ali", conclui.
Para a psicóloga Celiane Magalhães, do Núcleo Construindo um Novo Caminho, do "Começar de Novo", a ressocialização do ex-detento só é conseguida com engajamento de fato da sociedade. A intenção do projeto é, também, sensibilizar a população para a recolocação, no mercado de trabalho e na sociedade, dos presos libertados após o cumprimento de penas.
Família de João Rufino Nogueira. Engajamento familiar é essencial para evitar o retorno ao crime. A qualificação profissional dos internos é vista como incentivo para a empregabilidade. De forma pioneira, a Prefeitura de Limoeiro do Norte baixará um decreto para que ao menos 5% dos trabalhadores de construções públicas sejam egressos do sistema carcerário.
A sociedade tem medo, com tanta insegurança e violência. Mas também tem preconceito, e discrimina o ex-detento, que na maioria dos casos passa a ser mal visto pelos que se dizem "homens de bem". Pudera, a reincidência no crime é de aproximadamente 70%, segundo a juíza Luciana Teixeira. "Mas é preciso discutir as causas que levam a isso", afirma.
O detento Fábio Costa tem o corpo tatuado. Com a pintura definitiva, a pele do presidiário segue com sol, corações, desenhos tribais e nome de mulheres que amou. Mas sabe que além das marcas no corpo o adjetivo "criminoso" ganha proporções que vão além de sua própria vida. "Minha namorada trabalha há muitos anos como doméstica, mas perdeu o emprego numa casa de família só porque foram dizer que era mulher de presidiário".
Outro detento, Francisco Reginaldo, lamenta que em oito meses (é reincidente) não viu os filhos mais que três vezes. "Mas eles me amam", afirma, para depois dar boa tarde à professora que o ajuda a completar o Ensino Médio na "escolinha" da cadeia pública de Limoeiro. Vários presidiários entraram na cadeia tendo apenas o polegar carimbado como assinatura, e hoje sabem ler e escrever.
Cerca de 60 detentos em regime fechado, semiaberto e egressos do sistema carcerário participam do "Começar de Novo" em Limoeiro do Norte. Além do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará (IFCE), que oferece aos presos os cursos de soldador e eletricista predial, e a Prefeitura, outras instituições têm anunciado adesão ao projeto.
De acordo com Luciana Teixeira, um encontro envolvendo órgãos públicos e empresas privadas, no dia 29 de abril, servirá para explicar as linhas de atuação do projeto. "Ao dar uma oportunidade a essas pessoas, estaremos dando chance de ressocialização, e uma redução da reincidência".
Retorno
"O projeto visa a atender o preso, sua família, e assegurar proteção à sociedade que o receberá de volta".
Luciana Teixeira - Juíza da 1ª Vara da comarca de Limoeiro do Norte
Mais informações:
Projeto Começar de Novo Limoeiro do Norte
(88) 9616.8916 (Celiane Magalhães, psicóloga do Núcleo de Atuação)
Informações: Diário do Nordeste / Reportagem e Fotos: Melquíades Júnior
Um comentário:
Oi moro na cidade de Jaguaribe e estou cursando o terceiro ano do ensino médio profissional. Nós da nossa escola estamos com um projeto parecido com o de vocês que fala sobre a reintegração na sociedae de ex-presidiários. É bom saber que existem no Brasil iniciativas voltadas para aqueles que por muito tempo clamaram por uma oportunidade. Parabéns pela idéia
Postar um comentário