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domingo, 7 de março de 2010
Reconhecimento aos ‘Tesouros Vivos’ da cultura
Os Mestres da Cultura deste ano já foram escolhidos. O encontro acontece no mês de março em Limoeiro do Norte.
Quando o mestre começa a chamar "meu boi bonito, boi estrela, touro do gado...", levanta poeira no terreiro, o baticum do tambor passa do quintal vizinho, para convidar quem não percebeu que a festa está armada. É um reisado secular que está chegando. Está em vários lugares. O ritmo muda, as músicas também, até as cores das vestimentas, mas em tantos pedaços de Interior a cultura popular, um termo que há muito carece de renovação, mas é esse mesmo, brilha feito lamparina à noite para espantar muriçoca. O conhecimento que veio dos mais antigos, "aquela ideia que dá na cabeça, como quem diz: você tem que fazer", e eles fazem. Artesanato com lata, tecido, corda, barro, feito do que era uma coisa e agora é outra; as danças, as caretas, a poesia de viola, o remédio natural para menino de terra quente afrouxar o peito da bronquite. Para esses conhecedores da magia cultural descalça e sem frescura os pais deram nomes, a vida deu apelidos, e antes que seus mundos acabassem as instituições lhes deram o título de Mestres da Cultura.
O reconhecimento merecido, ainda que tardio, capaz de elevar a autoestima de senhores e senhoras de mãos calejadas e pés cascudos, fazedores do que foi transmitido pelos pais, avós e um sem-número de gerações ascendentes. De imediato, a mais bem vinda novidade é o salário mínimo vitalício para quem a vida já tornou mestre faz tempo. Mas não é ambição materialista que se vai encontrar. O que houve agora é que mestre Antônio Luiz de Sousa vai ter com que renovar suas máscaras, caretas, e dar um trato nas roupas e chapéus do reisado e tornar mais bonita a brincadeira que dona Neuza Luiza de Sousa, sua avó, contava como era idos dos anos 1930. Afora qualquer fama, para ele basta o reconhecimento do reisado de máscaras por seus conterrâneos da cidade de Potengi, no Cariri.
Mestres da Cultura eleitos neste ano. Na história de vida de cada um, a formação de talentos peculiares que enriquecem a diversidade da cultura popular. São verdadeiros tesouros vivos. (Fotos: Divulgação)
Graças à oralidade, à transmissão do saber pelos vários sentidos do corpo, a tradição existe, persiste, funde velho e novo, antigo e moderno. O velho que passa para o menino que, um dia também velho, repassará aos mais jovens que podem dar sequência à história, e dessa forma que mestre Chico Paes, hoje com 85 anos, não levou uns tabefes do pai quando este flagrou o então menino bulindo em sua sanfona, num dia em que voltou cedo da plantação: "meu filho, pode tocar, não precisa ter medo de mim não". Desse dia para cá tem 77 anos, e entre uma sanfona e outra prefere a do tipo pé-de-bode, o acordeão com fole de oito baixos, raridade nesta época em que até as sanfonas convencionais estão desaparecendo das bandas de forró. Uma vida semeada de agricultura e de música, o que alimenta o corpo e a alma de Francisco Paes. "Era a sanfona também fonte de renda", esclarece o antigo animador de casamento, batizado e festa de padroeira, que por muito tempo dividiu batente com outro nome de Assaré, o Patativa.
O reconhecimento dos mestres entra como catalisador de legitimidade. É quando percebem mais claramente que as peças de renda de dona Francisca Ferreira, de Cascavel, têm valor. Não é artesanato só porque é uma manipulação artística de matéria-prima de fácil obtenção. É traçado, enlinhado difícil que tem raízes, carrega história, os traços de identidade, e evidencia o que os sociólogos modernos costumam chamar de singularidade cultural.
Na concepção original da Lei, o mestre agraciado deve transmitir os conhecimentos para os mais novos, como forma de manutenção da tradição. Mas é o que a maioria já faz, com toda dificuldade e de uma forma que não se sabe duradoura - embora espontânea. Reconhecimento e legitimidade não são garantias de sobrevivência. Há tempos não tem o Jaraguá, o Guriabá e a Margarida na dança dos Caretas do Sassaré, do mestre Antônio Luiz de Sousa, de Potengi. Dos atores que participam, os filhos adolescentes do mestre sentem vergonha de se apresentar na frente dos outros. Em Limoeiro do Norte, da mestra da cultura Lúcia Pequeno, da primeira leva de mestres em 2005 (artesanato em barro), não há sinal de que a geração mais jovem esteja se apropriando dos conhecimentos da mulher que faz objetos de arte.
Os novos mestres ainda pedem espaço em suas comunidades, nos terreiros das casas onde cresceram. Como disse o sociólogo Oswald Barroso, no último Encontro dos Mestres do Mundo, em Juazeiro do Norte, "o reisado é um dos mais representativos (das expressões populares). Está presente no conjunto do Brasil, incorporado na vida popular e, longe de desaparecer, há cidades no Ceará que reúnem mais de 50 grupos de reisado de vários tipos. Além disso, tem uma complexidade que eu penso que outros folguedos não têm. Um apanhado dessas nuances seria fundamental não só para entender o Brasil, mas a alma humana".
Informações: Diário do Nordeste / Reportagem: Melquíades Júnior
Marcadores:
Mestres do Mundo
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