segunda-feira, 4 de maio de 2009

Chuvas também trazem alegria para a zona rural

Nem só tristeza causam as chuvas no Estado. Para muitos, um bom banho de bica é reviver a infância. Garotos observam a formação das nuvens indicando pesadas chuvas em Nova Jaguaribara.
É cedo do dia, mas o sol desaparece – logo no sertão, que tem um sol para cada cabeça. O céu, já cheio de nuvens, prenuncia e a boca do sertanejo pronuncia: “lá vem um toró d”água”. A certeza vem no tilintar dos pingos no telhado, que mais lembra o feijão debulhando na bacia de alumínio. Feijão que, não demora muito, e está saindo do chão molhado. A meninada não perde tempo: “mãe, deixa eu ir tomar banho?!”.
E logo quem todo dia dá trabalho para se assear no banheiro, vitorioso pela insistência, corre pelas calçadas, para a primeira biqueira, para a última, no chuveiro do tamanho do céu. A chuva é como remédio e veneno – só depende da dose. Tem causado estragos para quem só pediu “para o sol se esconder um tiquinho”, mas também é motivo de alegria onde não chove em todo o resto do ano. O cheiro, os sons e a paisagem verde que floresce revelam que chuva é “coisa boa”, o homem que nem sempre está preparado para ela.
A quadra chuvosa iniciada no Ceará desde a segunda quinzena de fevereiro — no Cariri, as precipitações iniciaram em dezembro — modificou a paisagem do semi-árido. O mato perdeu o cinza e ganhou o verde. O céu, que era azul, ficou cinza. O chão ficou escurecido, porque úmido. O gado está mais “corado”, porque o capim-alimento nasce mais rapidamente. Rios que “vivem” secos recebem água corrente. Não houvesse erosão constante da mata ciliar — provocada pelo desmatamento — nem “necessidade” de se habitar na beira do rio, rio cheio seria bem mais sinônimo de fartura. O rio Jaguaribe, antes o maior rio seco do mundo, perdia esse título a cada “inverno”, mas foi perenizado de vez pelo Castanhão.
Mas onde o “Rio das Onças” encontra dificuldade para passar, é lá que arrasta o que vê pela frente, que só tenha surgido pela ação humana. “O Jaguaribe só está pedindo passagem”, afirmou o professor e ambientalista Ivan Remígio, ao ser questionado sobre o arrastamento da ponte do tipo passagem molhada entre Limoeiro do Norte e Tabuleiro, construída desviando o curso principal do rio e subestimando a força hídrica deste quando recebe uma ajuda “extra” da quadra chuvosa e do açude Castanhão.
E “o Castanhão abriu as comportas”, anuncia o Diário do Nordeste e repercute o radialista Tom Gurgel, de Limoeiro do Norte, que passa o dia pelas ruas da cidade, dirigindo o “vermelhinho da Vale” contabilizando safras, estragos, volume de açudes e divulgando onde choveu mais. Engenheiros como Getúlio Maia e Ulisses de Sousa, do Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (Dnocs), foram enfáticos: se não existisse o Castanhão, as cidades mais baixas teriam sofrido enchentes. Então a ausência do Castanhão é o que mais deveria assustar.
A abertura das comportas do maior açude do Ceará atrai curiosos para ver o “espetáculo das águas”. Natureza e homem se juntam para proporcionar uma grande cachoeira, que tem o tamanho controlado — dependendo da quantidade de chuva, o volume do açude é equilibrado com a abertura das comportas, levando água para o rio Jaguaribe. O entorno da barragem está verde desde as primeiras chuvas, e com a abertura das comportas, o respingar da queda d’água perpetua a sensação de chuva. Fotografar de muito perto, só com um lenço para enxugar, a cada clique, a lente da câmera. E numa revelação da versatilidade do semi-árido, em cima de uma pedreira nascem cactos, mandacarus e flores de vários tipos e tamanhos.
Infância revivida
Enquanto a chuva cai, todas as biqueiras possíveis já foram visitadas pela garotada — o que inclui os “meninos” acima dos 30, 40, 70 anos, já que “tomar banho de chuva é reviver a infância”, afirma o servidor público José Nogueira, 51 anos de idade e “uns oito” quando está na chuva. A água que cai do céu é símbolo de sublimação e misticismo para religiosos ou pagãos. Os cristãos vêem como ferramenta de fartura, pois proporciona a produção agrícola na terra, o que, mesmo para os egípcios, bem antes de Cristo, representava fertilidade e renascimento. Para os mais objetivos, chuva leva ao plantio, que leva ao amadurecimento, que leva à boa colheita. Se chove na medida, “a fartura é garantida”, afirma seu Antônio Clímaco, 76 anos. Ele foi à sede da Empresa de Assistência Técnica e Extensão do Ceará (Ematerce) em Limoeiro buscar sementes de feijão e de milho. Volta contente para casa em sua bicicleta “carregada” de esperança. E não é que o “véi Antôin”, como é chamado, vai ter boa colheita este ano? Se tudo der certo, então será o tão esperado período de “vacas gordas”.
A Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos Hídricos (Funceme) alertou que deve chover ainda por todo o mês de maio. Para onde existe risco, o alerta; para quem tem o privilégio de ver fartura na chuva, a esperança. Enquanto tiver água, tem banho de biqueira, verde no mato, cinza no céu.
Fonte: Diário do Nordeste / Reportagem e Foto: Melquíades Júnior

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