quinta-feira, 14 de maio de 2009

Incertezas no caminho dos moradores da Ilha

A cena se repete em todas as cidades invadidas pelos rios no Baixo Jaguaribe. As famílias só saem de casa se a água entrar pela porta. Mesmo assim, o marido ou um filho continuam indo para dormir, guardando a casa. Quem vai ficando sofre de solidão.
Na casa de Fausta da Silva, 47, só o móvel da TV continua no lugar. O som da novela faz companhia, agora que as vizinhas foram embora para abrigos no outro lado da margem do Jaguaribe, no município de Limoeiro do Norte. Fausta também passou a última noite fora, na casa da filha, mas não dormiu. “Gosto de ficar perto das minhas coisinhas”, sorri. Ela vai mostrando a nova arrumação da casa.
Boa parte das coisas foi de canoa para a creche que abriga oito famílias a alguns metros dali. As camas estão penduradas bem no alto, amarradas com cordas nos troncos da viga. O guarda-roupa foi desmontado, o fogão está em cima de tijolos e duas cadeiras de plástico ficaram no lugar do sofá.
Na terça-feira (12/05) à tarde, quando a segunda cheia do Jaguaribe cobriu os três degraus da entrada da casa e lambeu a soleira da porta, ela, o marido e o filho deixaram tudo pronto para o pior.
Ontem (13/05), a água baixou. Na rua, ainda bate na canela, mas recuou pelo menos um metro. “Graças a Deus, hoje vou dormir aqui. Não sei amanhã (quinta-feira, 14/05) nem depois. Pode ser que chova, pode ser que o Castanhão encha mais, mas enquanto não chegar dentro de casa, não vou pra canto nenhum”, resiste.
De repente, a voz firme explode num choro. Há 17 dias, Fausta vive esperando chegar amanhã para ver como vai ser, onde vai dormir e como vai fazer para não perder as roupas empilhadas em cima das camas. “É uma agonia que cansa”.
Tristeza
O nome do bairro onde mora, Ilha, nunca fez tanto sentido. Para chegar, só de barco. Os três primeiros quarteirões têm água na altura da janela das casas. O rio invadiu a oficina, o cabeleireiro e o mercadinho.
“Dá uma tristeza, uma solidão, principalmente à noite. As mulheres ficavam aqui fora conversando até 22h, 23 horas. Faz dias que não tenho com quem conversar, fica só a família mesmo. Quem ainda está aqui não fica pra lá e pra cá com essa água toda na rua”, desfia Lucia de Fátima Alves, 53, mulher do canoeiro.
Ela mora na mesma rua de Fausta. Não chegou a “altear” os móveis porque a água não alcançou o primeiro degrau da entrada. “Meu marido disse que, se cobrir o primeiro, a gente arruma tudo. Muita gente perdeu coisa, porque duvidou do rio”, diz.
Na terça-feira à noite, pela terceira vez nesse inverno, Lucia ouviu os gritos de desespero de quem tentava salvar os móveis. “Do fundo do coração, espero que tenha sido a última vez. Está todo mundo cansado. Com vontade de arrumar a bagunça e retomar a vida”.
E mais
> Em Limoeiro do Norte o número de famílias em abrigos públicos chegou a 214. Um dia antes desse balanço, na terça-feira, eram 120. O número de famílias dormindo na casa de parentes e amigos chega a 420.
> 2.500 famílias estão desabrigadas em Morada Nova. “Nos abrigos tem gente com computador e TV 19 polegadas. A enchente deixou a cidade toda sem casa, inclusive os que têm dinheiro”, conta Priscila Aragão, uma das poucas moradoras que continuam em casa.
> A Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos Hídricos (Funceme) prevê para esta quinta-feira (14/05), na Região do Jaguaribe, nebulosidade variável com chuvas.
> A maior chuva registrada ontem foi na Zona Norte, na cidade de Granja - 50mm. Depois, aparecem os municípios de Coreaú, na Ibiapaba - 29mm. No Jaguaribe, a maior chuva foi registrada no município de São João do Jaguaribe, com 20 mm.
Informações: OPOVO.com.br

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